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Cobertura diária, um ritmo do jornalismo que não deve ser menosprezado: reflexões do jurado do Prêmio Roche 2020
A oitava edição do Prêmio Roche de Jornalismo em Saúde teve uma nova categoria: a cobertura diária. Com isso, abriu-se espaço para o reconhecimento ao trabalho do dia a dia e da agenda jornalística dos meios de comunicação, que pode estar no mesmo nível de reportagens de profundidade e outros formatos jornalísticos. Para Marianela Balbi, jurada, a presença dessa categoria “reafirma a necessidade de que o jornalismo não perca seus distintos ritmos de trabalho”.
“Creio que essa categoria ressalta um exercício pleno e ótimo do diário e de como cobrir uma notícia e seu desenvolvimento no dia a dia, mas com a qualidade jornalística necessária: precisão, agudeza, conexão com as pessoas, qualidade narrativa, impacto. Todos esses elementos são aplicados nesse trabalho diário e que também se encontram em grandes reportagens ou no jornalismo investigativo”.
Tanto para ela como para Daniela Pinheiro, atualmente bolsista do Reuters Institute for the Study of Journalism na Univerdade de Oxford, na Inglaterra, e jurada dessa nova categoria, o nível dos trabalhos inscritos e a importância do Prêmio Roche na América Latina são tão altos que esses se tornam referência do jornalismo latinoamericano, e devem ser estudados e seguidos como exemplo para novas coberturas, especialmente no âmbito do “dia a dia”.
“Há uma situação anterior à COVID-19 que não podemos ignorar no jornalismo de saúde. Há problemas muito importantes em nossa região e não podemos deixar que eles desapareçam do noticiário”, indicou Daniela Pinheiro.
Sua colega venezuelana reafirmou essa ideia e ressaltou a importância do jornalismo de saúde, que ficou em evidência com a pandemia. A jornalista afirmou que é necessário entender as complexidades deste jornalismo e compreender suas potencialidades, especialmente a prevenção e a forma de encarar certas situações.
Feminicídio, um tema de saúde?
‘Elas por elas’ foi o trabalho vencedor da categoria Cobertura Diária no Prêmio Roche 2020. Uma escolha particular, levando em consideração que violência doméstica e feminicídio são temas que se associam mais a um problema social. Entretanto, após avaliar e analisar o conteúdo dessa cobertura, a escolha se justificou pela relação do tema com a saúde pública.
“Há um componente psicológico terrível. Não é só o fato de que a mulher que chega ao hospital precise de atendimento médico porque foi brutalizada, mas algo que é ainda mais grave. É um custo para a saúde durante muitos anos lidar com o tema”, comentou Daniela Pinheiro, jurada da categoria.
Marianela Balbi ressaltou a forma inovadora usada por esse trabalho jornalístico, com diversas frentes, disciplinas e por um longo tempo. “Este trabalho tem a conexão perfeita entre o que é um problema social e as conexões que isso pode ter ao se tornar um problema de saúde”, explicou.
O jurado de Cobertura Diária também destacou a capacidade da equipe de “Elas por elas” de dar um valor global a uma notícia local, desenvolvida na cidade de Brasília. Como jornalista brasileira, Daniela Pinheiro reconhece que o meio de comunicação que publicou a cobertura é baseado em uma cidade pequena, a capital do país, mas que “o impacto gerado com cada reportagem publicada”, fez com que ela alcançasse dimensão nacional e global.
Para Marianela Balbi, este trabalho jornalístico “é uma mostra de como deve ser feita uma cobertura diária, mostrando um tema por meio de casos”, assegura. “Há temas que aparecem e desaparecem, é parte da dinâmica do jornalismo. Mas as vezes há que parar e entender que há um tema ali, não resolvido, que é necessário seguir explorando-o, não soltá-lo e dar a ele um caráter relevante, de primeira página”, disse.
O impacto do trabalho colaborativo
Para o jurado de Cobertura Diária no Prêmio Roche 2020, o fato de que todos os trabalhos que chegaram à última fase de avaliação tenham sido elaborados por uma equipe em vez de apenas um autor “é reflexo da tendência atual do jornalismo”.
“O jornalismo se transformou em um ofício colaborativo, multidisciplinar. Acho que influiu muito não apenas uma visão muito mais transfronteiriça de alguns temas, mas também as exigências de uma narrativa com linguagens diferentes que fez com que essas equipes de jornalistas fossem muito mais diversas, compostas por diversa disciplinas”, afirmou Marianela Balbi, jornalista venezuelana.
Daniela Pinheiro também destacou que não só observaram nos trabalhos desta oitava edição uma colaboração entre diversas disciplinas, mas que algumas das reportagens avaliadas foram resultado de um trabalho conjunto entre diferentes redações e inclusive países “tentando cobrir ambos os extremos e mostrar como existe uma intersecção em um problema específico”, comentou.
“Para mim, a colaboração é talvez uma forma muito importante para termos impacto com nossas notícias, fazendo que nossas vozes se ampliem. Acho que este é o caminho que devemos tomar, não apenas para o jornalismo de saúde, mas para o jornalismo em geral”, concluiu a jornalista brasileira.