Colunistas
Porque manter nos meios o espaço dado à ciência e à saúde depois da pandemia
Por: Patricia Fernández de Lis
Há apenas um ano e meio a vida no planeta todo deu uma reviravolta. Pouca gente sabia o que era um coronavírus em 2019 e agora essa palavra está no nosso vocabulário diário. Falamos dele no nosso trabalho, com nossas famílias, com nossos amigos. Sabemos que esse “bicho” que mudou nossas vidas, que provocou quase quatro milhões de mortos, centenas de milhões de afetados e um sofrimento indizível a bilhões de pessoas se chama SARS-CoV2. Temos tratamentos paliativos para suas consequências devastadoras e até mesmo vacinas, mas no começo de 2020 não sabíamos nada disso e quando ele irrompeu, desgraçadamente, havia poucos jornalistas de ciência e saúde nas redações espanholas e latino-americanas para contar sobre ele.
O jornalismo de ciência e saúde é extraordinariamente complexo por dois motivos: o primeiro é que a matéria de trabalho, a própria ciência, é por si só extraordinariamente complexa. O segundo motivo é que estes tipos de histórias devem ser encaradas com muita delicadeza, já que afetam diretamente a vida e a saúde dos cidadãos.
Na minha experiência como jornalista de ciência, tecnologia e economia, posso afirmar que os temas de saúde são os mais difíceis e delicados que enfrentei, pois é preciso se chegar a um equilíbrio difícil: não se deve assustar os leitores, mas tampouco há que dar falsas esperanças a eles. São temas tecnicamente difíceis de compreender e explicar; é preciso tempo e espaço para fazê-lo, e isso só pode ser feito por jornalistas especializados que saibam o que e a quem perguntar. E tudo isso se resume a uma palavra: dinheiro.
Para mim é surpreendente que, quando há pouco dinheiro (e há pouco dinheiro nesta indústria há décadas), os meios tendem a se concentrar nos temas em que competem em vez de focarem no que os diferenciam: apostam na política, no entretenimento e em esportes, e cortam o orçamento para ciência, saúde ou meio ambiente. É um tremendo erro. E isso nunca foi tão óbvio como agora durante a pandemia.
Inclusive a seção que dirijo, Materia, com seis jornalistas especializados há anos e dezenas de colaboradores, foi literalmente arrasada por uma corrida sem precedentes na história, que mostrou o melhor e o pior da ciência, e também o melhor e o pior do jornalismo: em só seis meses foram publicados 40.000 artigos científicos sobre o SARS-CoV2, quando para o primeiro coronavírus, o SARS, foram escritos cerca de mil. Pode-se compreender quais consequências isso teve sobre as redações que não tinham uma equipe preparada para entender, primeiro, e depois descartar ou publicar essa avalanche de estudos.
A ciência trabalha com prazos muito longos e com um método que inclui a revisão de seu trabalho por outros cientistas, mas a urgência desta pandemia afetou esse método de trabalho e também o nosso, jornalistas de ciência. Em Materia costumamos contar que neste ano passamos mais tempo descartando trabalhos alarmistas ou mal fundamentados do que publicando informação. E muitas dessas informações publicamos em formato de perguntas e respostas, buscando sinônimos para “incerteza”, “dúvidas”, “dados sem confirmar”, “perplexidade”…
O problema é que a sociedade, e também os diretores de meios de comunicação, costumam pedir manchetes que ofereçam respostas claras e contundentes para problemas complexos e mutáveis, como é a luta contra um vírus mortal. E por isso é tão importante ter na redação uma equipe forte e especializada, que possa explicar por que a ciência não oferece nunca certezas e, por isso, o jornalismo de ciência tampouco deve fazer isso.
Um bom exemplo é o especial Un salón, un bar y una clase: así contagia el coronavirus en el aire. Essa reportagem, que precisou de semanas de trabalho, foi lida por mais de 12 milhões de pessoas; já é o artigo mais lido da história do El País. Foi traduzido a 13 idiomas, foi usado por uma multidão de órgãos, públicos e privados, para prevenir o contágio da Covid, e acaba de receber o Prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo 2021.
O motivo apresentado pelo jurado: “Esta reportagem multimídia não só mudou vidas; salvou-as. Em um momento no qual não se contava com eficácia como funcionava a transmissão do coronavírus por aerossóis, ela foi de grande ajuda para milhões de leitores. É, além disso, a expressão perfeita do serviço público do jornalismo, que ajuda a tomar decisões”.
Porque, sim, o bom jornalismo de ciência e saúde salva vidas. Este foi, sem dúvida, o ano no qual a ciência se mostrou ser a ferramenta fundamental para a solução dos problemas mais graves que padecem nossas sociedades avançadas e do jornalismo científico para transmiti-lo. Os meios reforçaram a informação de ciência e saúde obrigados pela pandemia, mas deveria lembrar que o mais importante a ser feito por um meio de comunicação é oferecer informação séria e rigorosa aos cidadãos para que possam tomar decisões informadas. E não há nada mais relevante na vida de um cidadão que sua saúde e a dos seus entes queridos.
Não vamos voltar atrás: reforcemos as redações com bons profissionais de ciência e saúde. Agora que muitos meios estão cobrando pelo acesso a suas edições digitais, é o momento de oferecer a nossos leitores informação de qualidade, diferenciada, rigorosa e excelente, de ciência e saúde.
Sobre o Prêmio Roche
O Prêmio Roche é uma iniciativa da Roche América Latina, com a Secretaria Técnica da Fundação Gabo, que busca premiar a excelência e a cobertura jornalística de qualidade sobre saúde na região.
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