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#ComDados. Cloroquina e dióxido de cloro: as ‘mentiras zumbis’ da pandemia na América Latina

#ComDados. Cloroquina e dióxido de cloro: as ‘mentiras zumbis’ da pandemia na América Latina

maio 05, 2021

Contar onde essas falsidades nasceram e como circulam ajuda a desmantelá-las.

Por: Cristina Tardáguila

‘Mentiras zumbis’. É assim que os checadores profissionais apelidaram àquelas falsidades que insistem em não morrer e que, ao mesmo tempo, representam um enorme risco para a sociedade. Durante a pandemia de COVID-19, a ideia de que a cloroquina e o dióxido de cloro poderiam de alguma forma ser eficazes na prevenção ou na eliminação do novo coronavírus caiu nesta categoria, colocando a América Latina em risco real.

Desde janeiro do ano passado, a comunidade internacional de fact-checkers flagrou pelo menos 49 vezes que artigos, postagens e mensagens traziam a falsa informação de que o dióxido de cloro era um método seguro e eficiente contra a COVID-19. No caso da cloroquina, foram nada menos que 220 verificações.

A questão, no entanto, continua viva.

Nesta semana, os checadores da Maldita.es (em Espanha) e da Lupa (no Brasil) voltaram a se deparar com a questão e publicaram mais uma rodada de artigos reforçando o que já se sabe: que estas duas substâncias são inúteis na guerra contra o novo coronavírus e que utilizá-las pode até implicar em risco de morte.

Mas o que mais podemos fazer para impedir essas mentiras? Podemos saber como eles surgiram, como são mantidas nas redes e, ao escrever sobre eles, mostrar que foram desmanteladas em muitas outras partes do mundo, de forma semelhante.

Falar sobre a origem desses boatos e de como eles circulam ajuda a mostrar que eles não passam de ‘mentiras de zumbis’.

O caso do dióxido de cloro

Uma pesquisa no banco de dados da aliança #CoronaVirusFacts, mantida pela International Fact-Checking Network (IFCN) desde janeiro de 2020, revela que a primeira checagem sobre dióxido de cloro foi publicada pelos alemães do Correctiv.

Naquela época, personalidades e influenciadores da Alemanha “faziam um apelo à comunidade médica” e diziam em suas próprias páginas e sites que o dióxido de cloro era capaz de “desativar” o novo coronavírus. Também havia vídeos no Youtube.

Segundo o Buzzsumo e o CrowdTangle, duas ferramentas capazes de medir a viralização de conteúdo online, um único link escrito sobre esse tema em alemão foi compartilhado pelo menos 680 vezes no Facebook e replicado por outras quatro páginas, atingindo mais de 3.000 interações no Facebook, Twitter e até Pinterest. Isso significa que se tornou viral em várias plataformas, atingindo públicos diferentes.

Na mesma semana, a mentira sobre o dióxido de cloro já havia passado para o inglês. Se há algo claro entre os verificadores, é que os boatos são facilmente e rapidamente traduzidos.

Em 11 de fevereiro, os americanos do FactCheck.org encontraram não apenas páginas e contas do Twitter vendendo kits anti-COVID-19 com dióxido de cloro, mas também frases perigosas como: “Eles dizem que não há cura para o coronavírus. Bem, é claro que o dióxido de cloro pode matar o vírus” ou “Boas notícias: o dióxido de cloro mata o coronavírus”.

E, a partir desse momento, a falsidade ganhou o planeta. Entre março e abril de 2020, foram publicadas verificações sobre esse tema em chinês, espanhol e português. Em Taiwan, os fact-checkers tiveram que negar que a empresa de água havia injetado a substância, normalmente usada para limpar superfícies, na água que era distribuída aos cidadãos. Informação falsa e perigosa.

A América Latina ainda está mergulhada na desinformação sobre o dióxido de cloro. Convive com ela desde, pelo menos, março de 2020. Das 49 verificações que constam no banco de dados da International Fact-Checking Network (IFCN), 35 foram feitas em espanhol em países da região. Argentina, Bolívia, Colômbia, México, Peru e Venezuela ainda lidam com nessa mentira, propagada por influenciadores que pouco (ou nada) sabem de ciência.

Deixe-me, então, ser clara mais uma vez: não existe um “suplemento mineral milagroso” que contenha dióxido de cloro e seja eficaz no combate ao novo coronavírus. Como afirma o Ministério da Saúde Colômbia, citado em várias checagens, a ingestão de dióxido de cloro “pode causar complicações de saúde e até morte”.

O caso da cloroquina

De acordo com o banco de dados do IFCN, os nigerianos do Dubawa foram os primeiros a detectar informações incorretas sobre esse medicamento anti-malária durante a pandemia. Desde 21 de fevereiro do ano passado, eles lutam contra essa “mentira zumbi” que parece crescer sem parar.

Naquele mês, pelo menos dois meios de comunicação ligados ao governo chinês – Global Times e China Science – disseram que a cloroquina tinha “efeito comprovado no tratamento de COVID-19”. Mais de 700 contas retuitaram as “informações” do Global Times, e mais de 400 divulgaram o conteúdo da China Science.

O fato de serem dois meios de comunicação ligados ao governo chinês e, portanto, interessados ​​em anunciar uma cura milagrosa para o vírus que havia deixado milhares de mortos em Wuhan, não foi suficiente para conter a onda de desinformação. A “cura milagrosa” aproveitou o medo e cruzou o planeta.

Só em março de 2020, fact-checkers dede 11 países tiveram que lidar com a mentira sobre a cloroquina. Depois da Nigéria, a desinformação sobre foi capturada – nesta ordem – por Índia, Tailândia, Canadá, França, Estados Unidos, Filipinas, Marrocos, Dinamarca, Reino Unido e Sri Lanka. Isso é demonstrado pelo banco de dados IFCN.

A questão entrou na América Latina pelo Brasil.

No dia 20 de março, os checadores do  Estadão Verifica divulgaram a primeira verificação feita no continente sobre cloroquina. Na ocasião, disseram que a eficácia desse medicamento no tratamento de pacientes com COVID-19 ainda não havia sido (e até agora não foi) comprovada. Explicaram que os resultados dos testes ainda não tinham sido conclusivos e alertaram sobre os riscos à saúde contidos nas publicações descontextualizadas que circulavam nas redes sociais.

Desde então, brasileiros (e latino-americanos) viram o presidente Jair Bolsonaro gravar vídeos em defesa da cloroquina e até aparecer em fotos mostrando a droga como se fosse um troféu. Os políticos ao seu redor seguiram-no na defesa do medicamento.

Resultado: no último ano, pelo menos mais 106 checagens sobre cloroquina (e hidroxicloroquina) foram publicadas em português, tornando o Brasil o epicentro dessa “mentira zumbi” nascida na China.

Contar histórias como essas duas e mostrar que verificadores de diferentes partes do planeta chegaram a conclusões semelhantes, fortalece qualquer artigo ou debate sobre esses assuntos.

Na luta contra a desinformação pandêmica, lembrar que estamos conectados, mesmo que para coisas ruins e enganosas, pode ser o ingrediente que faltava para chamar a atenção do público e ganhar credibilidade jornalística. É mais uma estratégia que está na prateleira para ser experimentada.

Leve em consideração

Os pontos abaixo podem ser peças-chave e ajudar na hora de elaborar ua notícia ou uma análise jornalística sobre a desinformação. Anote-os:

– A bases de dados dos fact-checkers são públicas. A da IFCN está aqui.

– Nesta base de dados, você pode fazer buscas por palavras, países, idiomas. Certamente encontrará histórias interessantes.

– O contexto é fundamental. Então lembre-se de usar o Tradutor do Google para entender o que foi feito em outros idiomas.

Sobre o Prêmio Roche

O Prêmio Roche de Jornalismo em Saúde é uma iniciativa da Roche América Latina em parceria com a Secretaria Técnica da Fundação Gabo, que busca reconhecer a excelência e estimular a cobertura jornalística de qualidade relacionada à saúde na América Latina.

Em 2021 os melhores trabalhos serão reconhecidos nas categorias Jornalismo Escrito, Jornalismo Audiovisual e Cobertura Diária. A pessoa ou equipe jornalística vencedora de cada categoria (no caso de um trabalho coletivo, a equipe deverá escolher um representante) receberá uma bolsa de estudo de até 5.000 dólares. Em cada categoria será dada uma menção honrosa para o tema de acesso à saúde; uma menção honrosa também será concedida em jornalismo de soluções e outra em cobertura jornalística da COVID-19.

Tem até 9 de junho de 2021 para registrar seu trabalho. Conheça as bases do Prêmio aqui. Seu trabalho merece ser reconhecido!

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