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Como cuidar da saúde mental durante a cobertura jornalística de uma crise
A emergência sanitária causada pelo COVID-19 mudou o ritmo do mundo. Com o dever de manter a sociedade informada, jornalistas de saúde estão na linha de frente ante a incerteza e os riscos gerados por essa crise, ao mesmo tempo em tem que lidar com suas próprias preocupações, medos e tristezas. Essa nova rotina e a cobertura constante da informação deixa uma marca nos jornalistas e, especialmente, na saúde mental deles.
Levando em conta este risco, compilamos conselhos ou recomendações de especialistas em psiquiatria, jornalistas expostos a situações traumáticas ou extremas e psicólogos para saber como cuidar da saúde mental daqueles que estão cobrindo o efeito do COVID-19 no mundo.
“Normalizar” os jornalistas
Para Yahira Guzmán Sabogal, psiquiatra e diretora do grupo de investigação de psiquiatria em saúde mental da Univerdade La Sabana, na Colômbia, não só a audiência deve ser consciente de que os jornalistas são pessoas como eles, cidadãos comuns nos quais o cansaço, a preocupação e o medo podem influir em seus trabalhos em uma situação como a atual, mas também os mesmos comunicadores devem entender e interiorizar essa realidade de uma maneira na qual possa haver uma capacidade de estabelecer limites e planejar métodos de trabalho que não prejudiquem a saúde física e mental durante a cobertura de uma crise.
“Nunca se deve perder de vista o que é prioridade na vida: ter em mente até onde chegar e quando parar e respirar”, assegura a especialista. “Uma coisa é ser bom jornalista, outra é querer controlar tudo”, agrega.
Essas são algumas das recomendações de Guzmán Sabogal para proteger a saúde mental dos jornalistas na cobertura de uma crise e o trabalho em casa:
1. Estabelecer horários e tentar cumpri-los: marcar horários de entrega de trabalhos e tentar manter a rotina de antes, para que possa haver um começo e um fim das atividades. Avisar os companheiros de trabalho sobre os horários de trabalho estabelecidos.
2. Fazer reuniões virtuais eficientes, de no máximo uma hora.
3. Proteger a saúde: manter estilos de vida saudáveis nos quais existe um equilíbrio entre o laboral e outros âmbitos da vida, como o esporte, o lazer, o manejo da frustração, e o respeito pela alimentação e o descanso.
4. Ter a capacidade para notar defeitos próprios, o que ajuda na convivência no lar e em uma boa comunicação com os colegas.
5. Expressar-se emocionalmente: falar com os companheiros de equipe sobre o que vivem nas suas rotinas de trabalho, a informação que recebem e que – na maioria dos casos – pode ser traumática e expressar os sentimentos que isso pode gerar.
6. Validar os sentimentos negativos: dar um tempo para entender que é normal ter um dia ruim e que nem tudo deve sair perfeito.
Sinais de alarme
Para Yahira Guzmán Sabogal, a perda de controle, de liberdade, a ruptura da rotina, a dificuldade para organizar atividades da casa junto com as do trabalho e a incerteza pela crise gera vulnerabilidades na população, incluindo os profissionais da comunicação, que podem apresentar ansiedade como uma mecanismo de defesa ante a adversidade atual e, se não atendida a tempo, pode levar a um agravamento da saúde mental.
Neste sentido, o artigo ‘Managing Stress & Trauma on Investigative Projects’, de Bruce Shapiro – jornalista e autor estadunidense, diretor executivo do Dart Center for Journalism and Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia – esses são os sinais que devem ser levados em conta durante a cobertura de uma crise ou o desenvolvimento de um trabalho investigativo com fatos traumáticos:
1. Mudanças na personalidade.
2. Irritabilidade incomum ou ira explosiva sem razão aparente.
3. Pensamentos relacionados ao trabalho em momentos indesejados, persistentes e que não diminuem com o passar do tempo.
4. Isolamento incomum.
5. Sensação de que a vida perdeu sentido.
6. Aumento de automedicação (álcool, drogas, etc).
7. Excesso de horas de trabalho.
Conhecer os limites próprios e regular a “carga de trauma” que será recebida diariamente durante a cobertura da crise são algumas das recomendações enfatizadas por Shapiro para que os jornalistas possam manter a resiliência durante o trabalho. No artigo, o estadounidense aconselha separar em vários dias as entrevistas que serão feitas com vítimas, testemunhas ou sobreviventes e não revisar de uma vez fotos, vídeos ou documentos com conteúdo traumático.
“Se o trabalho ou a cobertura de uma história está consumindo sua vida, como se nada mais importasse, é um sinal de que é preciso procurar um maior equilíbrio”, indica Shapiro no artigo, que também aconselha a busca de ajuda profissional quando o stress laboral não diminui e chega a ser tóxico.
Conselhos para editores, chefes de redação e diretores
No caso de os líderes das equipes nos meios de comunicação. Para editores, chefes de redação ou diretores, o trabalho em tempos de crise ou de quarentena e o trabalho em casa – no caso da atualidade do planeta – não para, mas também se modifica. Kiina Lyall, diretora adjunta do Dart Center para Jornalismo e Trauma Ásia-Pacífico, descreve em seu artigo ‘Tips for News Managers: Covering Pandemics’ as situações que os comunicadores podem enfrentar e a atitude que os chefes devem ter para apoiar os jornalistas que vão atrás das notícias:
1. O nível de stress e de ansiedade dos jornalistas que cobrem uma pandemia pode aumentar por estarem expostos a uma infecção.
2. Ordens de quarentena ou de toque de recolher podem pegar de surpresa e sem preparo as equipes de notícias, levando, às vezes, a que alguns membros da equipe tenham que permanecer separados de suas famílias. Por exemplo, no caso dos correspondentes no exterior que não podem retornar a seus lares, gerando um sentimento de isolamento.
3. Ainda que os trabalhadores estejam em casa, deve lembrar que eles seguem sendo sua equipe e que estão sob sua responsabilidade.
4. Tenham em conta que, ainda que talvez neste momento as pessoas introvertidas não tenham dificuldades para lidar com as novas rotinas, os extrovertidos podem enfrentar problemas para assumir essa nova realidade.
5. O apoio dos companheiros e diretores é vital para os jornalistas de saúde nestes momentos, já que eles estão reportando situações que podem provocar uma reação traumática no largo prazo, além da preocupação pela própria saúde.
6. Mantenha contato constante com os jornalistas sob seu comando, falando com eles várias vezes ao dia durante o horário de trabalho. Pergunte a eles como se sentem, se precisam de alguma coisa.
7. Assegure-se de que entendam que reportar ou entregar a matéria neste dia ou mais adiante é uma opção. Ponha ênfase em que a saúde e o autocuidado estão em primeiro lugar.
8. Seja criativo para não perder o espírito de grupo entre os que estão trabalhando de casa. Faça uso de qualquer um desses aplicativos para reuniões virtuais online e use esses encontros para tomar decisões sobre o que publicar ou não.
9. Contate os membros da equipe que estejam trabalhando longe de casa e de seus familiares ou amigos para verificar se eles estão se cuidando adequadamente, se podem se comunicar com seus entes queridos e que, se precisarem, terão acesso a ajuda profissional.
10. Assegure aos jornalistas que você é consciente da dificuldade de fazer essa cobertura e que, se eles te dizem que continuar nela está sendo difícil, isso não vai afetar decisões sobre futuros trabalhos para eles.
11. Assegure-se de estar recebendo o apoio que você precisa.
Finalmente, como estabelece a Confederação de Saúde Mental da Espanha, é importante recordar que levar um “estilo de vida saudável e uma alimentação sã, com ritmos tranquilos, realizando exercício físico regularmente, evitando o stress e o consumo de substâncias tóxicas, ajuda a prevenir os problemas de saúde mental”.
Sobre o Prêmio Roche
O Prêmio Roche de Jornalismo em Saúde é uma iniciativa da Roche América Latina e da Secretaria Técnica da Fundação Gabo. O Prêmio reconhece a excelência e fomenta o trabalho jornalístico de qualidade na cobertura de temas de saúde na América Latina.
A convocatória para a oitava edição do Prêmio está aberta. Você tem até 31 de maio de 2020 para inscrever seu trabalho em uma das seguintes categorias: Jornalismo Sonoro, Jornalismo Digital e Cobertura Diária. Os trabalhos devem ter sido publicados entre 1º de janeiro de 2018 e 31 de dezembro de 2019, como estipulado nas regras da premiação.
Além disso, neste ano o Prêmio Roche de Jornalismo em Saúde vai entregar uma menção honrosa sobre a cobertura do COVID-19, para evidenciar a abordagem jornalística dessa emergência sanitária e sua relação com a sustentabilidade dos sistemas de saúde na América Latina. Conheça as regras da menção honrosa e inscreva seu trabalho nela.