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8 recomendações para quem faz a cobertura de temas de saúde

8 recomendações para quem faz a cobertura de temas de saúde

abril 12, 2013

No webinar “O bom jornalismo de medicina e saúde”, conduzido pela jornalista Ángela Posada-Swafford, compartilhamos vários conselhos e boas práticas para abordar esses temas com histórias que prendam a atenção do leitor e, principalmente, que sejaeim ftas com qualidade e senso ético.

Nesta entrevista, Ángela Posada-Swafford responde a algumas perguntas enviadas pelos participantes do webinar, as quais complementam a lista de ideias para fazer um bom jornalismo sobre temas de saúde.

Como convencer os chefes de redação a incluírem notícias de caráter mais investigativo nos espaços dedicados a notas sobre saúde e não apenas declarações de funcionários públicos?

Ángela Posada-Swafford: Oferecendo a esses chefes de redação temas realmente interessantes e relevantes, que sejam uma alternativa aos anúncios. Encontrar esses temas é o que define o jornalista de medicina e saúde com experiência; uma pessoa que dedica uma enorme quantidade do seu tempo a estudar, a mergulhar no tema, a estabelecer contatos produtivos com os assessores de imprensa dos principais institutos de pesquisa, universidades, hospitais, empresas farmacêuticas, etc. Quando alguém tem toda essa bagagem, encontrar um tópico genial passa a ser algo rotineiro. Também é necessário levar em conta o público para o qual se escreve: o tom, o estilo, o tipo de notícia. É preciso entrar na cabeça desse chefe de redação e tentar pensar como ele. Procurar antecipar as suas objeções. Tentar resolver os problemas. Por exemplo, às vezes eu uso o recurso de associar o tema de uma investigação científica a um novo filme, um novo livro, uma data importante… Isso ajuda muito quando se quer oferecer uma matéria a uma agência noticiosa de grande relevo.
Resumindo: a responsabilidade de convencer e persuadir o chefe de redação é unicamente sua. É jogar o jogo da inteligência: pense em recursos para convencer e entusiasmar o chefe.

Estou escrevendo uma matéria sobre um médico que nega a existência do HIV como causa da AIDS, que faz parte dos chamados dissidentes da AIDS. O que devo levar em conta ao tratar o tema, sabendo que é sensível e não tem sido muito divulgado?

APS: Pergunte-lhe se publicou artigos em revistas científicas. Peça-lhe para lhe mostrar os fatos científicos que o convenceram de que o HIV não causa Aids. Pegue três ou quatro dos argumentos científicos mais sólidos que segundo o consenso médico mundial e geral sustentam o parecer sobre HIV e Aids e peça-lhe para refutá-los um por um, com provas igualmente sólidas. E pergunte a ele pessoalmente o que o motiva a pensar assim. Pode ser que haja mais coisas interessantes por detrás de sua opinião. Coisas mais íntimas, mais pessoais. Será que ele tem algum parente com Aids? Será que é muito religioso?

Como cobrir adequadamente os temas relacionados com a medicina alternativa? Muitos especialistas de instituições médicas não aprovam alguns tratamentos, mas estes têm sido úteis a muitas pessoas e esses métodos têm conseguido salvar vidas que os centros médicos não conseguiram salvar.

APS: A medicina alternativa é um dilema interessante que acontece em nossos países. E tem várias facetas. A faceta baseada na natureza com resultados que de fato funcionam, ou que funcionam até certo ponto. E a outra faceta é o charlatanismo, as superstições, a fraude e o roubo do dinheiro de pessoas ignorantes. Como acontece com tudo, você tem que ir à raíz do assunto. Pegar o medicamento em questão, averiguar sobre cada um de seus ingredientes básicos, aprender sobre a química deles combinados. É uma planta? Qual o histórico etnobotânico dessa planta? É chifre de rinoceronte? Quem, como, quando e que resultados históricos comprovados tem tido o uso dessa substância? Qual a diferença entre o cálcio encontrado no chifre de rinoceronte e outros tipos de cálcio?
Se for um tratamento, a mesma coisa: o que existe em termos de literatura científica a esse respeito? Onde foram publicados os resultados? Quem os reproduziu? A ciência deve ser demonstrada e reproduzível e ao reproduzi-la deve obter-se os mesmos resultados da vez anterior. Uma coisa é dizer que Maria melhorou da urticária quando esfregou folhas de bordo na pele, e outra é dizer que a instituição tal publicou no Journal of Allergy ter comprovado que o alergênio da urticária é quimicamente reativo ao composto tal da folha de bordo em tais circunstâncias, e que 200 de 220 pacientes melhoraram com o tratamento.

Você tem alguma recomendação para a cobertura de temas sobre saúde mental? Vejo que existe muito preconceito e que esse tema não tem sido muito divulgado.

APS: Se o repórter quiser entender de psiquiatria, sociologia e doenças mentais, e escrever bem sobre esses assuntos, deve fazer mais do que ler revistas científicas especializadas e ir a congressos de neurociência. Deve sair e enfiar-se nas trincheiras, ou seja, nas mentes, nas casas, nos corações e nas famílias de pessoas com problemas mentais. Você tem razão, é um tema que não tem sido muito divulgado, pelas dificuldades que implica. Cobrir temas sobre saúde mental implica ganhar a confiança de psiquiatras e pacientes e enfrentar o preconceito da sociedade. Os pacientes mentais são invisíveis. Principalmente se forem crianças ou criminosos. Ninguém lhes dá atenção. Estão rodeados pelo silêncio e outros estigmas. E só um repórter com muita garra, tempo, dedicação e esforço pessoal conseguirá convencer os médicos de que devem incentivar os pacientes a falar.
Um excelente artigo investigativo sobre todos esses temas requer centenas de entrevistas, muitas delas, às vezes, só para conseguir um número de telefone. Mas quando um repórter consegue trazer à luz um desses temas, bem trabalhado, é uma nota brilhante que ressoará para sempre nos anais do jornalismo de saúde.
Então, as recomendações são estas: aprenda sobre a doença em questão. Procure saber, por meio de revistas de ciência médica especializadas e da Society of Neuroscience, quais os temas que estão sendo mencionados. Que pesquisadores estão estudando que doenças, ou tendências, e como isso está sendo feito. Por exemplo, pouco tempo atrás entrevistei um neurofisiologista que estuda as causas físicas, o que acontece fisicamente no cérebro dos psicopatas. Suas amígdalas são maiores ou menores que as das outras pessoas? Como processam os sinais emocionais? Ele pediu permissão para entrar nas prisões com um MRI portátil e os presos voluntários foram submetidos a um exame de ressonância magnética. Os resultados foram muito reveladores. Isso não estava nas notícias. Foi uma investigação que eu transformei em notícia. Esse tipo de informação é muito atraente para uma revista, por exemplo.

O que você acha dos médicos que escrevem seus próprios artigos? Podem substituir o trabalho do jornalista?

APS: É o mesmo que físicos e biólogos escreverem sobre suas pesquisas. Acho que não. Acho que quem deve escrever sobre ciência é quem FAZ ISSO BEM. Não importa a profissão. Existem médicos que são excelentes escritores. Robin Cook. Atul Gawande, etc. Mas muitos outros não são. Também não acho que vão substituir o jornalista. É claro que se um médico oferecer uma nota ao New York Times, pode haver mais probabilidade de ser publicada. Mas os editores também não são bobos. Eles sabem, só de um relance, quem sabe interpretar, traduzir, explicar e colocar a medicina dentro de contexto, e quem não sabe. Talvez um médico seja perfeito para explicar a ciência, mas está muito perto de sua profissão para poder dar um passo atrás e vê-la de forma crítica. É por isso que o cirurgião e escritor A. Gawande é uma notável exceção. (Lemos a resenha do livro ‘Complicações’ durante o webinar)

Em temas de saúde, o assunto da subjetividade é complicado. Obtemos muitas opiniões médicas diferentes sobre, por exemplo, como combater a enxaqueca ou a infertilidade. Como lidar com isso?

APS: Lida-se com isso citando estudos científicos publicados em revistas científicas especializadas e de sólida reputação. Se existem muitas opiniões médicas sobre a enxaqueca, quantas delas foram corroboradas por estudos com dados concretos? Eu hesitaria muito em publicar algo que não esteja confirmado dessa forma. O papel dessas publicações é esse mesmo: servir de cão de guarda que comprove, sem dúvida alguma, a veracidade do que afirma o autor do estudo. O que essas publicações fazem é contatar outros médicos independentes do estudo em questão para que o leiam e o avaliem.

Como fazer um bom jornalismo em saúde em países onde existem sub-registros ou pouquíssimos dados e estatísticas confiáveis?

APS: Bem difícil. Eu procuraria saber se o tema médico em questão foi tratado ou está sendo trabalhado em outros países, como os Estados Unidos, e procurar registros e estatísticas de lá. Afinal, a ciência é a mesma. Procure fazer uma ponte entre o que se sabe concretamente, o que se comprovou em estudos semelhantes em outros lugares, e o que está sendo feito no seu país. Se não existirem estatísticas confiáveis, você precisa ter muito cuidado com o que escreve sobre o tema. É necessário mencionar que esses números não são confiáveis por tal e tal razão. E que no outro país se fez esse ou aquele estudo que obteve estes resultados assim, assim.

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