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Quatro ideias para cobrir saúde na América Latina com um olhar econômico

Quatro ideias para cobrir saúde na América Latina com um olhar econômico

novembro 16, 2022

Por: Airam Fernández

Alguns dias atrás estava escutando o podcast Micrófono Climático, do Climate Tracker, no qual falavam sobre um estudo sobre jornalismo e transição energética publicado neste ano pela organização, olhando o fenômeno a partir do que é publicado pelas redações. Em 1.242 trabalhos publicados sobre o tema em 36 meios de comunicação de seis países latino-americanos, verificou-se que 33% das notas tinham um enfoque econômico. Ou seja, os meios estão falando sobre transição energética a partir da ótica econômica, principalmente da de negócios.

Desconheço estudo recente que detalhe dessa maneira o trabalho do jornalismo de saúde ou de algumas de suas áreas, mas tenho a sensação de que nas redações da América Latina acontece o contrário dessa tendência mundial, e que enfoques econômicos geralmente não pautam as coberturas.

Para não ficar apenas com a sensação que tenho com o que leio no dia a dia, fiz um exercício rápido de revisar dez meios importante da região – tradicionais e emergentes – e anotar o que encontrei neles: apenas dois possuem uma seção de saúde e em todos o conteúdo é majoritariamente de divulgação, informação geral, COVID-19 e denúncias de más práticas.

É importante que aqueles que se dediquem a fazer jornalismo de saúde o façam com um olhar integral, porque a saúde não se limita apenas a temas médicos, mas também está muito conectada à política e à economia. Comprovamos isso com a pandemia. Também acho fundamental que os jornalistas de economia se interessem em investigar pautas de saúde, porque nosso olhar pode fazer a diferença, e devem fazer isso junto com jornalistas de outras áreas, na medida do possível, considerando que o tempo nas redações é escasso.

Há muitas fórmulas para encontrar ângulos econômicos e histórias valiosas. A maioria certamente vai aparecer em reuniões de pauta e no intercâmbio com colegas, algo necessário para o dia a dia do ofício. Mas no momento tenho outras quatro ideias:

1. Acompanhar orçamentos públicos

Os governos discutem nos últimos meses do ano o orçamento para o ano seguinte e os jornalistas costumam estar atentos às áreas para qual são destinados a maior parte das verbas. Uma vez que há consensos sobre o orçamento, é importante que façamos a cobertura das verbas aprovadas e dos gastos, porque desses dados podem surgir boas histórias.

Façamos um exercício com a lei de Orçamentos 2023 que é discutida atualmente no Congresso do Chile, país onde vivo e que estipulou 18% do orçamento para o Ministério da Saúde, equivalente a $12,7 bilhões, sendo esse o terceiro ministério que mais recebe recursos. No que vale investir esses recursos? Quais são os projetos mais importantes desse orçamento? O que aconteceu com os projetos deste ano? São algumas das perguntas iniciais para planificar apuração por vários meses.

É preciso também escutar as críticas ou denúncias de associações, que sempre vão existir, porque nelas podemos encontrar pistas sobre novos ângulos para reportagens e investigações. Por exemplo, para a saúde básica, anunciou-se aumento de 1,04% de pacientes inscritos nos consultórios chilenos, o que é conhecido por monto per capita basal, equivalente a $ 100 por pessoa, algo que a Associação Médica chilena qualificou como “um sinal totalmente equivocado”. Por que eles fazem tal afirmação? O que propõem? O que é preciso para que a saúde básica funcione de maneira adequada? Qual é a situação atual? Perguntas desse estilo pode levar a histórias valiosas.

2. Olhar o setor privado com mais atenção

Sempre dizemos que fiscalizar o poder e os governos é um dos principais fins do jornalismo. Mas fiscalizar o setor privado também é importante.

Revisar os balanços anuais das clínicas privadas pode ser um bom ponto de partida para isso, e também as de outras empresas com a lupa posta, por exemplo, em se estão poluindo ou não, ou se estão investindo ou não na saúde mental de seus trabalhadores – um grande tema pós pandemia – ou o que estão fazendo para garantir o bem estar de sua força de trabalho e das comunidades onde atuam.

3. Encontrar ideias em documentos científica e de saúde pública

Revisar todos os papers científicos que pudermos, assim como estudos, informes e documentos do setor de saúde. Isso será sempre um exercício que poderá nos dar ideias de novas pautas que podemos levantar. As vezes pode ser uma tarefa avassaladora, porque os temas que valem a pena não podem ser pequenos, mas para mim funciona escolher algo recente para olhar em detalhe durante a semana e ir tomando notas do que acho que pode virar uma reportagem ou várias notas.

O Health Inclusivity Index  (em inglês) que publicou o Economist Impact em outubro é uma boa leitura para isso: mede 37 indicadores das ferramentas que os governos usam para reduzir a desigualdade nos sistemas de saúde e promover a inclusão, partindo da premissa de que uma nação que não acredita que todos tem o direito à saúde, ou que a política de saúde pode ser feita à parte de outras decisões políticas, tem menor probabilidade de apoiar a saúde inclusiva.

4. Incluir novos temas na agenda de noticias

Cuidar das pessoas e do lar tem um impacto econômico que não tinha sido dimensionado até pouco tempo, ou ao menos não era discutido nas redações. Hoje em dia é um tema discutido, ainda que falte muito a ser feito e visibilizado. Um dos desafios mais recentes do jornalismo é colocar esse tema no noticiário o máximo possível. No Chile, por exemplo, o trabalho doméstico não remunerado equivaleria a cerca de 22% do PIB do país, se fosse contabilizado, segundo estimativas da organização Comunidad Mujer.

Assim como outros países da região, o Chile está envelhecendo e cerca de um terço da população será de idosos em 2050. Como os sistemas de saúde vão lidar com esse panorama, para onde os investimentos estão sendo direcionados, qual é o papel das parcerias público-privadas e de inovação frente a isso, o que acontece atualmente com o cuidado doméstico, como as famílias estão se organizando, como isso repercute na economia delas, também são recortes válidos para discutir com profundidade em reuniões de pauta e sair para apurar.

Sobre o Prêmio Roche

O Prêmio Roche de Jornalismo em Saúde é uma iniciativa da Roche América Latina e da Secretaria Técnica da Fundação Gabo, que busca premiar a excelência e estimular a cobertura jornalística de qualidade de pautas de saúde e ciência na América Latina, integrando sanitário, econômico, político, social, entre outras áreas de investigação do jornalismo.

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