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Do comunicado de imprensa ao artigo jornalístico: Cinco conselhos para evitar exageros e comunicar sobre saúde e ciência com responsabilidade

Do comunicado de imprensa ao artigo jornalístico: Cinco conselhos para evitar exageros e comunicar sobre saúde e ciência com responsabilidade

novembro 04, 2022

Por: Federico Kukso

No momento de construir uma notícia ou história de ciência – porque não há que esquecer: as notícias não são um “reflexo da realidade”, mas sim um recorte, uma construção – existem vários pontos para começar. Por exemplo, pode-se começar a investigar a partir da publicação de um paper em uma revista científica, ou pegar um tema candente e que mantem a sociedade em suspense – como uma nova doença ou o lançamento de um novo remédio promissor – e entrevistar os protagonistas. Ou, ainda melhor, explorar uma problemática que pouco ou nada se fala. Por exemplo, doenças desassistidas ou esquecidas, ou um surto em algum lugar do mundo.

Em qualquer destes cenários, um elemento do ecossistema científico que sempre é útil são os comunicados de imprensa. Eles têm diversos formatos: press releases em inglês, notas à imprensa em alguns países da América Latina. Além de inundar nossas caixas de entrada do email e serem parte de estratégias de relações públicas, elas funcionam como contato, ponte com universidades, instituições, empresas, ministérios ou entidades que desejam divulgar uma descoberta, o resultado de um ensaio clínico ou estudo, ou a apresentação de um produto.

Ainda que no fundo trata-se de textos publicitários, os comunicados de imprensa sã, um elo de uma longa cadeia informativa. No geral permanecem invisíveis para o grande público, mas são cruciais: um texto que exagera as descobertas científicas, tratamentos médicos ou resultados de um estudo – algo conhecido como hype – para capturar a atenção dos jornalistas e conseguir assim maior alcance e repercussão, pode ter ramificações insuspeitas com distorções e manchetes imprecisas, além de alimentar a desinformação, despertar falsas esperanças no público – em especial nos pacientes – e deixar muitos pesquisadores irritados.

No geral, médicos e cientistas se apressam em apontar o dedo e culpar os jornalistas, sem saber que o germe do erro partiu da sua própria instituição na forma de comunicados aprovados de antemão pelos próprios pesquisadores.

O psicólogo Petroc Sumner, codiretor do projeto InSciOut da Universidade de Cardiff em Gales, estuda como ciência e saúde são informados pelos meios de comunicação. Em uma análise publicada em 2016 na revista Plos One, sua equipe concluiu que 21% dos comunicados de imprensa estudados continham declarações exageradas. “Há uma forte correlação entre a qualidade dos comunicados de imprensa e a qualidade das notícias que se baseiam neles”, indica Sumner. “Os comunicados de imprensa têm um selo de confiabilidade”.

Se há algo mostrado pela pandemia da COVID-19 é que informar sobre investigações científicas com precisão, especialmente quando se trata de saúde, é importante. Para evitar esta “cadeia alimentícia contaminada” – do press release ao artigo jornalístico -, é necessário aprofundar a qualidade dos textos divulgados por institutos, universidades e organizações.

Aqui vão alguns conselhos básicos de como fazer isso:

1. Não exagere. Evite expressões extravagantes como “descobrimento histórico”, “descoberta revolucionária”, “avanço médico do século”, “um feito que marca um antes e um depois”. E não abuse de “inovador” ou “primeiro”. Um estudo publicado no British Medical Journal que examinou 462 comunicados de imprensa produzidos pelas 20 maiores instituições de pesquisa do Reino Unido em 2011 concluiu que, quando os comunicados de imprensa não eram rigorosos com os resultados das pesquisas, 58% das notícias resultantes dele exageravam os conselhos de saúde. “Os acadêmicos devem prestar contas pelos exageros nos comunicados de imprensa de seus próprios trabalhos”, escreveu a respeito o médico britânico Bem Goldacre.

2. Seja preciso e não omita o que é importante. Se se trata de um comunicado de imprensa que ressalta uma estatística – por exemplo, a porcentagem de pessoas em um país com probabilidade de sofrer x doença – sempre, mas sempre, há que incluir o tamanho da mostra nas primeiras linhas do texto. Recentemente, uma empresa de análises genéticas comunicou com grandiloquência – e contradizendo estudos prévios – que 74,1% dos argentinos vêm da Europa. O pé do email do comunicado indicava que os resultados correspondiam a uma mostra de 2.785 testes genéticos de homens e mulheres deste país.

3. Seja honesto. Além de explicar com clareza os processos de uma investigação ou descobertas, outras elementos que não podem faltar em um comunicado são as limitações do estudo científico, as fontes de financiamento e os conflitos de interesse dos pesquisadores participantes. Não é algo difícil de conseguir. São dados que costumam estar ao final dos próprios papers. Por exemplo, o valor noticioso de um estudo sobre diabetes ou obesidade muda antes e depois de saber se foi financiado pela Coca-Cola ou McDonalds. “O público não especializado e o pessoal da saúde, assim como os responsáveis pelas tomadas de decisões, podem ser enganados por representações incompletas e parcialmente inexatas dos estudos científicos que poderiam afetar negativamente comportamentos e decisões relacionadas à saúde”, concluiu um estudo sobre o tema publicado em 2019.

4. Em humanos ou em ratos? Indique sempre na manchete e no começo do comunicado se trata-se de uma pesquisa feita em animais – moscas, ratos, macacos, ou seja, na “fase pré-clínica” – ou em humanos (“fase clínica”). Na conta de Twitter @justsaysinmice (apenas diga “em ratos”), o pesquisador James Heathers expõe quando uma manchete da imprensa omite este pequeno grande detalhe.

5. Aposte na diversidade. Inclua sempre contatos de diversas fontes (mulheres, homens, pessoas LGBTQI+, por exemplo, e não apenas diretores de laboratórios) e dispostas a falar com jornalistas. Este é um grande problema que se detecta com frequência em comunicados de imprensa e em meios de comunicação anglofalantes que omitem – e por isso invisibilizam – as vozes dos cientistas latinoamericanos.

Há melhores maneiras de contar sobre ciência. É questão de apostar nisso, dia a dia.

Sobre o Prêmio Roche

O Prêmio Roche de Jornalismo em Saúde é uma iniciativa da Roche América Latina e da Secretaria Técnica da Fundação Gabo, que busca premiar a excelência e estimular a cobertura jornalística de qualidade de pautas de saúde e ciência na América Latina, integrando sanitário, econômico, político, social, entre outras áreas de investigação do jornalismo.

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