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Jornalismo em saúde: informar com rigor e com uma linguagem que se possa digerir

Jornalismo em saúde: informar com rigor e com uma linguagem que se possa digerir

maio 23, 2019

Faz-se jornalismo em saúde de qualidade? As redações estão preparadas para apoiar, com tudo o que isso implica, um grupo de jornalistas que queiram fazer do jornalismo de saúde um serviço para a comunidade? Qual deve ser o tamanho da aposta de um meio de comunicação por um jornalismo em saúde rigoroso e que precise de tempo para ser tratado da melhor maneira, quando em muitas ocasiões o que importa aos meios é o imediato?

Essas perguntas foram feitas por 22 jornalistas da região que participaram do workshop “El acceso a la salud en América Latina: un desafío sanitario y periodístico”, realizado em Cartagena, na Colômbia, pela FNPI – Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Iberoamericano e pela Roche, com o objetivo de buscar um olhar jornalístico mais holístico aos problemas da saúde, integrando aspectos sanitários, econômicos e políticos.

Com ideias estimuladas e guiadas por Carlos Francisco Fernández, assessor médico de El Tiempo e mestre da FNPI, os participantes do workshop afloraram a sede pelo aprendizado e por seguir se especializando em jornalismo em saúde, um exercício que, segundo disseram, “tem um considerável grau de responsabilidade”.

O desejo de fazer da saúde um serviço para o leitor tem a ver com a necessidade de melhorar a cobertura jornalística. É por isso que o workshop contou com tutores e convidados qualificados como Gabriel Novick, diretor médico corporativo do Swiss Medical Group; Wilson Merino, diretor de Acuerdo Nacional contra el Cáncer de Ecuador; Fernando Ruiz, líder médico científico no Centro de Tratamiento e Investigación sobre Cáncer; Jaime Cardona, especialista em saúde e proteção social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Rubén Torres, reitor da Universidade Isalud; Zulma Ortiz, líder da “Acción x Cáncer”, da Argentina.

Além deles, a jornalista científica Nora Bär, editora e colunista de Ciência e Saúde do jornal La Nación, e Federico Uribe, jornalista experiente e vencedor do Prêmio Roche 2013 na categoria Televisão e Vídeo, guiaram o intercambio de ideias com suas experiencias como jornalistas de saúde.

Há espaço para o jornalismo em saúde na América Latina?

“Às vezes devemos trabalhar as pautas em segredo até termos a investigação avançada, para que não as publiquem antes do tempo, e mostrá-las quando estejam terminadas. Inclusive, há vezes em que os editores não dão importância ao tema porque não o entendem e cabe a nós defendê-lo até o fim”. Assim descreveram alguns dos participantes a forma em que se deve trabalhar nos meios de comunicação para publicar as histórias, lembrando que a fonte não sempre pode receber o tratamento merecido por causa maneira na qual o jornalismo é exercido na atualidade, “movido por outros interesses, como os cliques, a audiência e os números”.

Os desafios dos sistemas de saúde na região

Durante a intervenção sobre Sistemas de saúde na América Latina: transições, desafios e oportunidades, o doutor Gabriel Novick (Argentina) afirmou que parte da agenda sempre está centrada no paciente e que, então, deve-se pensar também no que é o melhor para os jornalistas.

Gabriel é consciente de que existem diversos níveis de conhecimento e experiências. “Existe a necessidade de contextualizar a informação e, também, de determinar a importância de entender para difundir os processos. Essa ciência é complexa e tudo o que é complexo envolve humanos, processos biológicos. A ciência da saúde estuda um grande volume de dados, informação, analisa muito o contexto e com isto reconstrói passados, interpreta o presente e projeta probabilidades de futuro”, explicou Novick.

Segundo o especialista, os desafios em saúde na América Latina são os governos, a eficiência, a fragmentação e os determinantes sociais da saúde. “O propósito deve ser o serviço para as pessoas. Em relação ao acesso à saúde é importante velar para que todos os subsetores tenham acesso a ela. Mais de 8 milhões de pessoas morrem todos os anos por causas tratáveis: 60% dessas mortes se dão por produtos de má qualidade e 40% por acesso inadequado”, comentou.

Novick indicou que na América Latina a saúde é um direito, mas que o grande dilema é saber quando custa um ano de qualidade de vida. “O que é melhor: viver mais, doente, ou viver menos, mas saudáveis?”.

Além disso, Carlos Fernández notou que “na Colômbia a saúde é um direito fundamental, mas está absolutamente setorizada. As causas que impactam a saúde estão ligadas à qualidade do ar, nutrição, disponibilidade de água potável, educação, tudo em setores distintos”.

No workshop, Wilson Merino se referiu ao dever das organizações de entender como o jornalismo é um serviço à comunidade. “As organizações sociais devem criar pontes. Muitas vezes se sataniza a indústria farmacêutica ou as entidades públicas e ao final não é uma coisa nem outra. E isso é o que devem fazer os jornalistas: permitir o diálogo para que as condições de vida de todos melhorem”.

Defender posturas

Nora Bär foi enfática ao dizer que ninguém pode exigir que um jornalista atue contra suas convicções. “Podemos nos recusar a escrever uma nota ou assiná-la. Como dizia Tomás Eloy Martínez: o único bem que tem um jornalista é o seu bom nome, e, se ele perde isso, perde tudo”.

Nesse sentido, Fernando Ruiz indicou que nos temas de saúde o que é negativo vale 100 vezes mais do que é positivo. “As externalidades podem ser muito importantes. Uma notícia que parece incidental pode adquirir proporções gigantes, gerando um efeito muito positivo ou muito negativo”.

O que define a agenda?

Nora Bär comentou que grande parte da agenda de saúde é feita fora do consultório, pois “os recursos não dão para todos e temos que aprender ou decidir como estabelecer prioridades.

Entre outras coisas, isso requer políticas baseadas em evidência, porque como se tomam as decisões de alocamento de recursos?”, seguiu o debate.

Os jornalistas afirmaram que, em geral, os temas de saúde não são prioridade na ordem do dia, mas que o principal é demonstrar a relevância dos mesmos e o que traduz a investigação rigorosa para informar à comunidade.

Definindo o que é uma fonte

Durante o workshop, os comunicadores colocaram à prova seus conhecimentos em um jogo durante a sessão teórico-prática orientada por Federico Uribe.

O desafio era tirar palavras desconhecidas para que os participantes escrevessem um significado mesmo sem saber o que significava a palavra. “A ideia era mostrar que em muitas ocasiões aceitamos o que a fonte nos diz sem que verifiquemos o que ela está dizendo ou que acreditamos cegamente no que a fonte nos conta sem perceber que ela está usando a gente”.

Depois do exercício, os participantes definiram que uma fonte deve ser pertinente, representativa, ter uma mensagem clara, um discurso verificável e comprovado e ser especialista no tema para gerar confiança no que se diz.

O que os jornalistas descartam dos artigos científicos ou de uma fonte são aquilo que se fundamenta em pseudociência e naquelas pessoas que exercem a saúde sem ser profissionais, os chamados curandeiros. No mesmo sentido, comentaram também que desconfiam quando são apresentados dados que não estão verificados ou comprovados, quando há falta de dados ou de profissionais que atuam contra a saúde pública, ou se há conflito de interesses porque o
especialista já trabalhou em outra empresa ou está vinculado a grupos políticos.

“Estabelecer diálogos entre os verdadeiros expoentes, buscar a evidência básica e apresentá-la como dúvida e gerar debates. Nosso trabalho é gerar opinião e condições para que a saúde pública melhore. Sempre deixem algo a mais, nunca terminem o debate”, indicou Uribe.

Nora Bär questionou “o que temos que perguntar quando vemos uma informação: quem a está me contando? Como essa pessoa sabe o que está me contando? De onde ela surge? É possível que ele ou ela esteja equivocado? Se a resposta é sim, há que buscar outra fonte para se assegurar e,se esta não existe, há que repetir o processo até que haja veracidade na informação”.

“O kit de detector de besteiras de Carl Sagan”

Bär compartilhou com os jornalistas uma lista de dicas que o astrônomo, físico, astrobiólogo, e etc. Carl Sagan usava para não cair em erros e para fomentar o debate profundo sobre a evidência proveniente de todos os pontos de vista.

1. Não levar em conta os argumentos de autoridades da área. Elas se equivocam. Na ciência não existem autoridades, no máximo um especialista.

2. Considere mais de uma hipótese. Se há algo que deve ser explicado, olhe todas as possibilidades de explicação.

3. Não se case só com uma hipótese.

4. Seja muito preciso com os números.

5. Se há uma cadeia de argumentos, cada elo dela deve funcionar: não basta que a maioria funcione.

6. Entre duas hipóteses que explique a mesma coisa, escolha sempre a mais simples. Sempre se pergunte se ela é falsa.

Bär deu mais dicas sobre a comunicação em saúde: “Ser preciso quando se trata de resultados preliminares, ser especialmente meticuloso com dados e estatísticas, ser meticuloso e não utilizar palavras como “cura milagrosa” nem expressões afins.

Carlos Fernández falou da importância para a comunidade do que é publicado sobre saúde, pelo impacto que isso tem em seu cotidiano.
Também afirmou que de cada 10 textos publicados sobre saúde, nove tem inconsistências.

A ética no jornalismo em saúde

“Ética não se ensina, se compartilha. O verdadeiro código de ética a ser seguido é aquele sugerido pelos princípios”, observou Alejandra Cruz, diretora do Workshop de Jornalismo da FNPI.

Além disso, Alejandra lembrou do mestre Javier Darío Restrepo ao mencionar os cinco princípios para o dia a dia do jornalismo: verdade, liberdade, serviço, justiça e esperança.

Conselhos dos especialistas

– “Há que buscar a forma de não olhar a informação apenas como divulgação, mas também
de mudar a lente, que ela represente uma mudança no seu entorno”.

– “Cuidado com o baixo nível de interpretação. Se eu não entendo o que estou investigando, qual a possibilidade de que meu leitor o entenda?”

– “Ser rigoroso na investigação e na escrita. O jornalismo de saúde requer um grau maior de responsabilidade”.

– “Informar com rigor, mas com uma linguagem que possa ser digerida pelo público”.

– “Sempre duvidem dos assessores, que nem sempre são precisos. O interesse deles é ver seu material publicado”.

– “Nunca é suficiente uma só fonte. Há que buscar várias e contrastar as versões. Há que checar todos os dados”.

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